Do contentamento pessoal para a satisfação mundial

Rosto de boneca, fala delicada e olhos atentos demonstram já à primeira vista o perfil suave e decidido de Renata Moura que, no dia em que fazia aniversário, conversou com a Premier, comemorando ainda mais talento e inspiração.

Renata é uma das grandes revelações da nova geração do design nacional. Com apenas 29 anos, já tem em seu currículo alguns dos mais importantes e desejados prêmios do segmento, além de um invejável portfólio de peças de sua autoria. Formada há oito anos pela PUC de Curitiba, ela acredita que mais do que senso crítico apurado e criatividade para desenhar, persistência e conhecimento técnico são essenciais para se trabalhar na área.

Quando Renata tinha seis anos de idade, seus pais contrataram um escritório de arquitetura para fazer o projeto de uma nova casa. Aproveitando a oportunidade, a menina estava sempre presente nas reuniões e, quando a maquete do projeto ficou pronta, surpreendeu-se. “Quando eu crescer, isso aqui vai ser meu”, foi o pensamento da designer.

“É um trabalho que dá muito prazer, pois fico pensando em como deixar as coisas mais bonitas e funcionais”, afirma. De acordo com ela, sua mãe é uma das grandes responsáveis pela sua carreira, pois a influenciou com bom gosto. “Desde criança ela me ensinou a ir a boas lojas e observar as diferenças entre um bom produto e um produto de baixa qualidade”. Assim, Renata cresceu atenta a pequenos detalhes, como a costura de roupas, por exemplo. “São os famosos pequenos detalhes que fazem a diferença”, compara.

Foi aos 11 anos que Renata decidiu sua profissão. Ela conta que viu a Panton — primeira cadeira feita de plástico injetado — em uma revista e ficou hipnotizada. “Achei linda e só conseguia pensar em desenhar coisas daquele tipo”, destaca. Apesar de gostar muito de móveis, a designer não queria limitar-se a este tipo de desenho, assim como Philippe Starck e Raymond Loewy, alguns dos profissionais que admira. “Eles já desenharam de tudo, de automóveis a macarrão e escovas de dentes”, exemplifica.

Antes, durante, depois

Formada em Desenho Industrial de Projeto do Produto, Renata conseguiu conciliar toda a vida acadêmica com estágios na área. “Estagiei com móveis, design gráfico, ferro fundido, motor e mais alguns ainda”, completa, brincando que ser designer significa poder desenhar qualquer coisa. Ainda enquanto universitária, ganhou um prêmio nacional com a mesa para telefone Triiim, criada no segundo ano da faculdade a fim de estabelecer uma leitura a partir dos anos 50, demonstrando que o design do produto não é ortodoxo. Renata sempre se sentiu incomodada porque a cadeira é um móvel que limita, pois permite sentar em apenas uma posição. A partir dessa chateação surgiu o Banco Ico, um banco tipo sela que possibilita sentar de várias maneiras. Essa criação foi feita também no segundo ano da faculdade, quando um professor mandou desenhar uma cadeira. “Optei por fazer um banquinho, que dá mais opções na hora de sentar”, confirma.

O primeiro emprego de Renata foi em uma fábrica de móveis populares. Para ela, foi uma experiência incrível.

“Eu tinha que entender o gosto da outra pessoa, e desenhar algo que agradasse a ela, não a mim”

fala, acrescentando que não adianta impor uma opinião, mesmo que acertada, se o cliente não entende.

“O mais legal é que eu não ficava só desenhando, pois eu fazia também a pesquisa de mercado, programação CNC e a prototipação dos móveis”.

Renata dá gargalhada ao lembrar que nos primeiros dias de trabalho ia bem arrumada e acabava se sujando toda. “Meu chefe ria da minha cara, até que me convenceu a ir com roupa de guerra”, metaforiza.

Quase um ano depois a designer resolveu que era hora de mudar de ares. Decidida, fez uma lista das empresas mais legais para se trabalhar com design no Brasil e começou a mandar currículos. Em agosto de 2002, fez uma entrevista de emprego com Newton Gama, responsável pela área na Multibrás, atual Whirlpool. “Ele gostou de mim e eu dele, mas no dia seguinte eu havia marcado uma entrevista na Grendene”, conta. Após retornar do Rio Grande do Sul, onde está instalada a Grendene, Renata entrou em contato com Newton, explicando que demoraria 15 dias para saber a resposta da segunda entrevista. Então, marcaram uma reunião, na qual a designer recebeu um ultimato. “Onde você quer trabalhar?”, questionou Newton. “Aqui, claro!”, foi a resposta de Renata.

Durante quatro anos e meio a designer atuou na parte de design de produto, além de fazer grafismos para refrigeradores. “Eu trabalhava com freezer, geladeira, frigobar, enfim, tudo o que tinha a ver com refrigeração”. Para Renata, o mais legal desse período, além do aprendizado, foi ter desenhado a Brastemp Retrô.

Assim que saiu da Whirlpool, Renata partiu para carreira solo. “Gosto de trabalhar sozinha porque tenho liberdade para estar a cada hora em uma cidade”, conta. Dessa forma, conquistou clientes em vários lugares do Brasil, entre eles a Tok & Stok, em São Paulo. Renata lamenta, no entanto, o fato de atender em Joinville, sua cidade natal, apenas a Doce Beijo. 

Contentamento pessoal

Enquanto trabalhava na Whirlpool, Renata aproveitava as noites e os finais de semana para trabalhar em criações próprias. Uma das ideias desenvolvidas nesse período foi o pufe UoooU. “Fiz o projeto conceitual, mandei para um concurso e foi selecionado. Então eu tive que criar a peça física e novamente enviar”, comemora, citando que o produto recebeu menção honrosa no Museu da Casa Brasileira em 2004, foi finalista na Movelsul também em 2004 e no IF Awards, na Alemanha, em 2005. 

Outro projeto idealizado paralelamente ao trabalho na fábrica foi o Feigiones, finalista no Prêmio Objeto Brasileiro em 2008 e Museu da Casa Brasileira em 2006. Para criá-lo, Renata realizou uma pesquisa para saber como é o consumo de feijão no Brasil. “Concluí que é verdade que a maioria dos brasileiros come feijão todos os dias”. Assim, ela encontrou uma forma de valorizar a cultura do país de uma forma diferente.

O processo criativo

“Cada hora é de um jeito”, diz Renata sobre sua inspiração para criar. “Às vezes estou andando na rua, olho uma caixa jogada no lixo, e dá uma ideia”. Segundo ela, várias ideias não tem nada a ver com o que vê, mas remete à outra idéia ou pensamento. Para não perder nada, abre o caderninho, anota e, assim que chega em casa, tenta desenhar o projeto. Renata destaca que é preciso estar sempre atento ao mercado, pois não pode fazer nada que já existe. “Tem que ser original, senão ninguém dá crédito”.

Outro banco criado pela designer, sem que ninguém pedisse, foi o Ampoule, resultado de pranchas de madeira coladas e torneadas. Como resultado, um banco com desenho natural. “Aí quando vi as linhas da madeira, pensei que deveria evidenciá-las”, lembra. Dessa forma, teve a ideia de trabalhar com outros tipos de madeira que, intercalados, dão o efeito de risca de giz no banquinho, finalizando assim o Ampoule Risca de Giz, criado com a intenção de ser produzido em Joinville, mas por falta de parcerias, teve que levar a produção para Minas Gerais. “Os protótipos foram feitos aqui, ficaram lindos! É uma pena não ter dado certo”, lamenta.

Renata explica que às vezes a inspiração não surge sem motivo. No caso do famoso banco Goma, por exemplo, ela pensou em fazer um banco de plástico que até então só tinha concorrentes italianos. “Desenhei 50 bancos para chegar no Goma”. O acerto feito com o cliente foi o de que Renata estaria totalmente livre pra criar. “Achei ótimo e ao mesmo tempo horrível, porque parti sem saber a direção a seguir”, recorda. Mal sabia Renata que o Goma lhe traria tanta repercussão. Com brilho nos olhos a designer relata sua surpresa ao ser procurada pela produtora de um programa de tv, um reality show de grande audiência na televisão brasileira, solicitando bancos Goma para uma festa do programa. “No fim das contas, meus bancos apareceram não em uma, mas em duas festas”, comemora.

Um dos projetos mais recentes de Renata foi o realizado em parceria com o ex-chefe Newton Gama, para a Johnson & Johnson. Primeiro, um display para produtos íntimos. Depois, uma nova embalagem para a Jontex. “Buscamos inspiração nos carros esportivos, que lembra velocidade, e masculinidade, e acrescentamos o X por lembrar o encontro de duas pessoas”, conta, referindo-se a embalagem de camisinhas, adquirida, na maioria das vezes, por homens.

Só este ano, Renata já ganhou dois prêmios de design e até agora foi finalista em outros quatro concursos. O último prêmio que recebeu foi este mês, com a linha de móveis populares Elastik, que criou especialmente para o concurso da Abimovel. Como prêmio vai ganhar uma exposição de seus móveis na maior feira de design do Brasil e em outra feira no exterior com direito a passagem e estadia para ir junto para Dubai, Valência ou Las Vegas. “Só vou saber o meu destino da noite de entrega do troféu”, vibra, acrescentando que será dia 20 de agosto, em São Paulo. Renata foi a única mulher premiada nesse concurso, que selecionou 20 candidatos, dos quais apenas quatro eram mulheres e apenas uma está entre os cinco ganhadores.

Caraca!

Atualmente Renata cursa pós-graduação em design emocional. “Olham para minhas peças e dizem que tem design emocional”, diverte-se, pois até o início da pós, não criava com esse intuito. “Hoje eu observo e vejo que tem mesmo”, percebe, citando o banco Goma e a mesa Triiim como exemplos: “As pessoas lembram-se da infância, da cor do chicle Ping Pong, da casa da avó, de desenhos animados”.

A designer acaba de mudar-se para Curitiba, por questões práticas, visto que atende muitos clientes da região, como a Sanifill, empresa para a qual criou escovas dentais de plástico injetado que poderão ser encontradas nos supermercados a partir de setembro deste ano. “Vejo o design como um ramo que está crescendo, oferecendo muitas oportunidades. Infelizmente, em Joinville ainda não há muito mercado para mim”, complementa.

Renata deseja ser conhecida como alguém que desenha de tudo, mesmo que as pessoas se refiram a ela como uma profissional que desenha coisas coloridas, multifuncionais e divertidas. Para ela, está cada vez mais claro que o design não precisa ser apenas da Itália. “O estranho é que tem poucas mulheres realizando trabalhos nessa área”, nota. “Por que será?”, questiona. “Não sei, não sei mesmo. Caraca! É muito estranho”, intriga-se, utilizando uma expressão que parece acompanhar seu jeito espontâneo e divertido de ser.

Data da publicação: Agosto de 2009

Edição nº 33 – Ano 05